Olhemo-nos corajosamente, todos nós, homens e mulheres de Portugal, de frente, sem os risos e os olhares tolos – quase infantis – com que aprendemos a mirar o mundo para disfarçar a nossa abissal ignorância das coisas, porque tudo tornámos ligeiro em nós. Interroguemo-nos seriamente, como gente adulta: vivemos bem connosco, vivemos bem na nossa pele? O mal estar que nos assalta continuamente é natural? Este jeito infantil de vivermos, sem abraçarmos causas, movidos apenas por um primitivo e animal desejo de sobrevivência, é natural?
Desprezámos há muito o saber, e os homens e as mulheres que amam o saber. Temos o sol e um vasto oceano que nos cerca, e de luz baça e de espuma fizemos a nossa vida colectiva. Queremos todos viver para o sol e para o mar, esquecidos que há mais, muito mais que o saboroso sol e o revigorante mar. As morsas e as focas, deitadas sobre a banha acumulada, também vivem para saborear o sol e o mar… mas elas nada mais têm. Nós somos homens e mulheres, e aprendemos a olhar as coisas, para além do sol que nos aquece e do mar que nos alimenta. Pelo menos deveríamos ter aprendido…
Não nos amamos como povo, nem sabemos sequer o que isso é. Não amamos aquilo que realizámos e que realizamos todos os dias. Não construímos porque preferirmos mil vezes suar ao sol, frente ao mar, do que suar pelo nosso trabalho. Sabedoria, sim temo-la, e em excesso. Procuramo-la todos os dias, não nos livros, mas no fundo das canecas de cerveja. Nós, Portugueses, odiamos livros e mais odiamos quem os lê. E que ninguém diga que não é assim, porque mente. Ler é uma obrigação, a pior de todas, nunca um prazer.
Fomos assim forjados, há 500 anos, quando a Inquisição nos tornou a todos espiões dos homens que liam. Fugimos todos da cultura para fugirmos dos ferros e do fogo. E escondemo-nos todos dentro da nossa pele, a pele do nosso imenso medo. Cristãos-velhos denunciavam cristãos-novos e cristãos-velhos, por invejas ou por ódios. Cristãos-novos apressavam-se a denunciar outros cristãos-novos, antes que alguém os denunciasse. E os homens nunca mais foram livres, e todos nos tornámos polícias de todos, e os livros foram todos queimados, e as velas nunca mais se acenderam à sexta-feira, e as mãos e os corpos deixaram de se lavar. A brutalidade instalava-se na velha Luzidanya.
Somos nós, Portugueses, estranhíssimas criaturas. Dentro de nós habitam velhos-cristãos e velhos-judeus. Muitos, a esmagadora maioria, não conhece a origem do seu sangue, e é hoje cristã de corpo e alma, porque pensa que sempre assim foi. Outros, incomodados na sua pele, passam indiferentes diante das igrejas e das capelas, sem saber porquê. Ali foram baptizados, ali casaram, ali baptizaram os filhos. Mas dentro deles não se acende nenhuma Luz, porque aquela não é a sua casa. Eles não sabem, mas sentem. Ainda há medo na sua pele. Ainda não reencontraram o seu caminho. Mas começam a dar os seus primeiros passos. Logo estarão em movimento.
Há mais de dois milhões de portugueses que trazem nas suas veias o sangue de Moisés. São esses os números que a genética nos dá. Do sangue misturado que tanto assustava a Inquisição, os números são muito mais altos: 37% de Portugueses, 3,7 milhões que trazem sangue judeu nas suas veias. Não há nada de igual na Europa. Só a Espanha tem números semelhantes, mas a Espanha tem uma longa história de conversões voluntárias, e a maioria são Meshumadim (heréticos que voluntariamente renunciaram ao Judaísmo), não Anusim como os Portugueses, baptizados à força por D. Manuel I e impedidos de partir.
Estes homens e estas mulheres que lutam dentro de si, divididos entre a cultura religiosa em que nasceram mas que pouco lhes diz e outra, que ainda mal conhecem mas que sentem como sua, são Portugueses de corpo e alma. Nunca foram outra coisa. Nunca serão outra coisa. Não querem ser outra coisa. Reencontrarão um dia o seu caminho, tranquilamente, para que Portugal se possa reencontrar também. Terão sempre o exemplo dos seus irmãos que partiram para Amsterdão, e aprenderão a recriar o seu próprio Judaísmo, um Judaísmo moderno, reformista. Jerusalém será sempre o seu farol. Mas será o judaísmo americano, reformista e aberto ao século XXI, que eles irão abraçar. Sempre Portugueses. Sempre amando e vivendo na terra de Portugal…
Desprezámos há muito o saber, e os homens e as mulheres que amam o saber. Temos o sol e um vasto oceano que nos cerca, e de luz baça e de espuma fizemos a nossa vida colectiva. Queremos todos viver para o sol e para o mar, esquecidos que há mais, muito mais que o saboroso sol e o revigorante mar. As morsas e as focas, deitadas sobre a banha acumulada, também vivem para saborear o sol e o mar… mas elas nada mais têm. Nós somos homens e mulheres, e aprendemos a olhar as coisas, para além do sol que nos aquece e do mar que nos alimenta. Pelo menos deveríamos ter aprendido…
Não nos amamos como povo, nem sabemos sequer o que isso é. Não amamos aquilo que realizámos e que realizamos todos os dias. Não construímos porque preferirmos mil vezes suar ao sol, frente ao mar, do que suar pelo nosso trabalho. Sabedoria, sim temo-la, e em excesso. Procuramo-la todos os dias, não nos livros, mas no fundo das canecas de cerveja. Nós, Portugueses, odiamos livros e mais odiamos quem os lê. E que ninguém diga que não é assim, porque mente. Ler é uma obrigação, a pior de todas, nunca um prazer.
Fomos assim forjados, há 500 anos, quando a Inquisição nos tornou a todos espiões dos homens que liam. Fugimos todos da cultura para fugirmos dos ferros e do fogo. E escondemo-nos todos dentro da nossa pele, a pele do nosso imenso medo. Cristãos-velhos denunciavam cristãos-novos e cristãos-velhos, por invejas ou por ódios. Cristãos-novos apressavam-se a denunciar outros cristãos-novos, antes que alguém os denunciasse. E os homens nunca mais foram livres, e todos nos tornámos polícias de todos, e os livros foram todos queimados, e as velas nunca mais se acenderam à sexta-feira, e as mãos e os corpos deixaram de se lavar. A brutalidade instalava-se na velha Luzidanya.
Somos nós, Portugueses, estranhíssimas criaturas. Dentro de nós habitam velhos-cristãos e velhos-judeus. Muitos, a esmagadora maioria, não conhece a origem do seu sangue, e é hoje cristã de corpo e alma, porque pensa que sempre assim foi. Outros, incomodados na sua pele, passam indiferentes diante das igrejas e das capelas, sem saber porquê. Ali foram baptizados, ali casaram, ali baptizaram os filhos. Mas dentro deles não se acende nenhuma Luz, porque aquela não é a sua casa. Eles não sabem, mas sentem. Ainda há medo na sua pele. Ainda não reencontraram o seu caminho. Mas começam a dar os seus primeiros passos. Logo estarão em movimento.
Há mais de dois milhões de portugueses que trazem nas suas veias o sangue de Moisés. São esses os números que a genética nos dá. Do sangue misturado que tanto assustava a Inquisição, os números são muito mais altos: 37% de Portugueses, 3,7 milhões que trazem sangue judeu nas suas veias. Não há nada de igual na Europa. Só a Espanha tem números semelhantes, mas a Espanha tem uma longa história de conversões voluntárias, e a maioria são Meshumadim (heréticos que voluntariamente renunciaram ao Judaísmo), não Anusim como os Portugueses, baptizados à força por D. Manuel I e impedidos de partir.
Estes homens e estas mulheres que lutam dentro de si, divididos entre a cultura religiosa em que nasceram mas que pouco lhes diz e outra, que ainda mal conhecem mas que sentem como sua, são Portugueses de corpo e alma. Nunca foram outra coisa. Nunca serão outra coisa. Não querem ser outra coisa. Reencontrarão um dia o seu caminho, tranquilamente, para que Portugal se possa reencontrar também. Terão sempre o exemplo dos seus irmãos que partiram para Amsterdão, e aprenderão a recriar o seu próprio Judaísmo, um Judaísmo moderno, reformista. Jerusalém será sempre o seu farol. Mas será o judaísmo americano, reformista e aberto ao século XXI, que eles irão abraçar. Sempre Portugueses. Sempre amando e vivendo na terra de Portugal…
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