José Galazak
Sim, em verdade vos digo, não somos quem julgamos ser!
Arrancai as veias nos vossos braços falecidos,
E olhai, olhai bem esse sangue português que aí se arrasta.
Nunca haveis estranhado a resignação da nossa alma?
Nunca haveis estranhado a nebulosidade dos nossos passos?
Nunca haveis estranhado a inconstância da nossa fé?
Ah, vejo-nos através do tempo, caminhando na raiz do abismo,
Todos nós, tristes homens e mulheres de Portugal;
E abraçados, chorando do vento funesto que varre a nossa terra,
Continuamos todos a amordaçar o grito libertador do nosso sangue,
Temerosos uns do fogo com que vieram ao amor de Cristo,
Temerosos outros da vingança divina pela impiedade das suas almas.
Esta é a amarga dor com que nos proibimos todos à alegria do Sol!
Foi no dia de todas as fúrias, quando Lisboa se ensanguinhou,
Que se perderam os povos de Portugal aos olhos de Deus.
Punhos brutais tinham arrastado multidões inumeráveis até Cristo,
E nas igrejas de Lisboa acotovelavam-se novos e velhos Cristãos,
E juntos rezavam, contra a peste, pela chuva e pelo pão,
E corriam ávidos por um sinal os olhos ignorantes dos crentes;
E quando o rosto de Cristo se iluminou na capela dominicana,
Logo gritaram os corações crédulos, louvando o lúcido milagre.
Mas era um tempo em que o nosso pensamento ainda voava,
E a Igreja ainda não tinha castrado todos os seus carneiros,
E um de nós, velho português e velho judeu,
Recém-chegado à família de Cristo pela aguda espada,
Murmurou que a santa luz era apenas a centelha de uma candeia.
Ah, que foste tu dizer, homem?
Porque não guardaste para ti a mentira que te davam?
Não sabias que os Cristãos juraram terminar a raça de Cristo,
E a multidão só queria uma desculpa para soltar os demónios?
Arrastaram-te pelos cabelos para fora da capela, lincharam-te
E queimaram depois o teu corpo no Rossio, celebrando a morte.
Eras menos que nada, eras apenas um judeu,
E ainda por cima um judeu com a bolsa gorda de prata!
Maldito! Onde arranjaste todo esse dinheiro?
Comedimento, disciplina, amor ao trabalho, inquieta resignação?
Mentira! Fizeste um pacto com Belzebu, isso sim!
E no sagrado púlpito, indiferentes ao olhar reprovador de Cristo,
Deixando brilhar alegremente as suas piedosas garras,
Crocitavam os corvos, alimentando o ódio ignorante da multidão.
E foi a nossa gente perseguida, torturada e entregue viva ao fogo;
E foram as nossas mulheres e as nossas filhas violadas;
E foram os nossos meninos arrancados do berço e esmagados
Contra as paredes e os muros até Deus os receber;
E deste crime primordial nascemos nós, desassossegados Cristãos;
E deste arranco cruel nasceu a saudade que nos devora;
E desta verdade nasceu a mentira das nossas vidas.
Na forja da Igreja martelaram os robustos ferreiros a História,
Para que fossem apagadas todas as estradas
Que cruzavam com a estrada de Cristo,
E para que o manto do esquecimento
Escondesse o rasto dos homens de Sefarad,
Pois todos sabiam que os Judeus tinham ficado em Portugal,
Os que tinham fundas raízes na velha Lusitânia,
E os outros, as multidões que tinham fugido dos catolicíssimos reis
E que na pátria de Yaish ibn Yahya e de Isaac Abravanel
Tinham procurado salvação para as suas vidas.
Ah, mas a velha sabedoria dos reis de Borgonha
E dos primeiros reis de Avis tinha sido sacrificada no altar do poder,
E nesta terra não havia príncipes perfeitos nem reis venturosos;
E foram arrancados os cabedais e a fé aos homens de Judá,
E foram arrancados os filhos às mães, e mergulhados
Nas pias baptismais, e levados por estradas sem fim
Onde se criaram longe, entre gente piedosa,
Para que um dia também eles fossem bons e piedosos Cristãos.
E nas cidades morriam os Judeus e as judiarias,
E as sinagogas eram primeiro vandalizadas e depois santificadas,
E os bispos a tudo assistiam, debruçados nos seus ventres ,
Felizes pastores que viam agora crescer os rebanhos e as riquezas;
Mas como ainda houvesse resistentes na espessura das noites,
Vieram homens santos para inquirir do desassossego das almas,
E com a bênção do rei e do bispo de Roma lavrou-se a terra,
E houve fartas searas de ódio, sangue, tortura e morte,
E a denúncia palúdica tornou-se o virtuoso dever do crente,
E o povo vinha domingueiro ver as fogueiras onde os judeus ardiam,
E assim se divertiam os Goyim, medindo a dor dos Sefaradim.
E a mais feroz das maldições foi devorando a alma portuguesa,
E fomos queimando os livros e os homens que os liam,
E por não podermos dizer fomos desprezando a alegria de pensar;
E passaram dias, e passaram anos, e passaram séculos,
E a brutalidade era agora a massa dos nossos corpos,
E ferozes patrulheiros da Igreja de Cristo, corríamos
Ávidos por encontrar quem não cresse,
Ávidos por aliviar por alguns instantes o vazio das nossas vidas.
E assim, com as lágrimas e o sangue, se tornou a terra estéril,
E com a terra estéril foram os homens ficando estéreis também,
E raros gigantes nasceram depois neste pântano ocidental,
E mesmo esses foram sempre perseguidos,
Pela castradora inveja dos homens e pelo negrume do Destino.
Mas nenhuma ditadura é eterna, nem mesmo a ditadura da fé,
E no lúcido País das Serpentes começam agora alguns de nós,
Os Goyehudim, gentios orgulhosos do seu sangue judeu,
Judeus orgulhosos do seu sangue gentio,
Corajosamente a largar a velha pele do medo,
Para que no futuro todos nos possamos abraçar de novo,
Cristãos e Judeus, uma só lusitanidade, dois irmãos rindo ao Sol.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
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Olá!
ResponderEliminarSou portuguesa e fiz um teste de DNA mitocondrial (ou seja, só pela parte da mãe), e meu resultado foi J puro. Li os seus textos e achei muito interessantes, pois a dúvida me persegue...será que sou de descendência judaica? Gostaria de trocar algumas informações a respeito se for do seu interesse. Meu e-mail: crismgalvao@gmail.com
Cristina
Caro Amigo e Lusitano , Cristo nada tem a vêr com o vaticano ... Cristo separou-se definitivamente dos 1ºs "cristãos" desde aquele malfadado dia em que destruiram a Biblioteca de Alexandria ... aliás , Cristo só está com quem Ama a Verdfade e a Justiça . Cristo não quer sabêr de que religião ou não religião um homem segue , ou não segue . Cristo só quer saber de uma coisa : O Amôr a Dêus acima de todas as coisas !Cumprir a Sua Vontade , que é Vivermos com Honestidade ,Criatividade , Beleza , Alegria , Simplicidade , Amôr .
ResponderEliminarA IGreja de Cristo , é a do Espírito Santo , que não tem barreiras de nenhuma espécie e Abraça todos os que O Amam (em Verdade e em Espírito , da maneira que sabem , ou podem) sem nenhuma distinção .